Viver com cancro: tudo muda (mesmo que muitas coisas sejam invisíveis)

Receber um diagnóstico de cancro muda tudo. É como se, de um momento para o outro, o chão desaparecesse e nada voltasse a ser como antes. O mundo à tua volta continua a girar, mas tu ficas parado no tempo, entre exames, tratamentos e um turbilhão de emoções. O medo instala-se: do futuro, da dor, da morte, de não estares presente para quem mais amas.

O cancro afeta muito mais do que o corpo. Claro que há um impacto físico: dores, cansaço, alterações na imagem corporal, dificuldades nas tarefas do dia-a-dia. Mas o que muitas vezes não se vê, é o impacto emocional: a ansiedade constante, a tristeza, a culpa, o medo. A vida que tinhas fica em pausa. Sonhos, planos e rotinas são suspensos. Precisas aprender a conviver com a incerteza e com o medo, mesmo depois de tudo parecer controlado. É sentir uma alteração em alguma parte do corpo e o primeiro pensamento ser: “é cancro”. Passas a viver um dia de cada vez.

Mesmo quando o tratamento termina e os sintomas visíveis desaparecem, a recuperação não acaba. Ficam as marcas que não se veem: dificuldades de concentração, memória, o “nevoeiro” mental. Por fora, parece que está tudo bem, e por isso esperam que voltes ao “normal”, mas por dentro ainda há muito a ser reconstruído.

As relações também mudam. A família, muitas vezes, assume o papel de cuidadora, altera rotinas e papéis. Às vezes, surge um silêncio desconfortável, o medo de dizer a coisa errada. Se estás ao lado de alguém com cancro, lembra-te: não tens de saber exatamente o que dizer. O mais importante é estares presente. Ouvires, sem tentar resolver, e validares, sem minimizar. Em vez de dizer “Vai ficar tudo bem”, pergunta: “Queres falar sobre isso?”; “O que precisas neste momento?”; “Preferes companhia ou um pouco de silêncio?”. A escuta ativa e a presença são, muitas vezes, o maior apoio que podes oferecer.

E se és cuidador, lembra-te de cuidar de ti também. Estar ao lado de quem sofre também dói, também cansa, também desgasta. O teu bem-estar importa (muito). É estar sempre presente, mesmo quando não há (poucas) forças. É tentar ser o porto seguro de alguém e, às vezes, esquecer-se de procurar o seu próprio abrigo.

Nem todas as pessoas vivem o cancro da mesma forma. Cada história, personalidade e rede de apoio tornam a experiência única. Mas mesmo no meio da dor, algumas pessoas descobrem força e um novo olhar sobre a vida.

É aqui que entra a psico-oncologia, a área da psicologia que apoia quem vive com um diagnóstico de cancro, seus familiares e cuidadores, assim como profissionais de saúde. A área que ajuda a nomear às emoções, lidar com o medo, reformular planos e encontrar sentido. Ajuda-te a voltar a confiar no corpo, na vida e nos outros. Acompanha não só o impacto emocional de que lida com cancro, mas também o desgaste de quem cuida. Porque estar ao lado de alguém com cancro também exige força, paciência e cuidado.

Viver com cancro é viver com mudanças, visíveis e invisíveis. É reaprender a habitar um corpo que mudou, a encontrar lugar num mundo que, muitas vezes, não compreende. Mas também pode ser uma oportunidade para aprenderes mais sobre o que importa e com quem importa. Para descobrires dentro de ti forças que talvez nem sabias que tinhas.

Por último, quero que saibas que ninguém tem de fazer este caminho sozinho ou sozinha. Se estás a passar por isto, ou se tens alguém próximo que está, na Pedro Coutinho Clínica temos profissionais especializados em psico-oncologia. Estamos aqui para ti. Para ouvir. Para cuidar. Para caminhar contigo.

Com carinho, Psicóloga Isabela